Vista de Santa Teresa, à noite. |
Enviado por Miguel do Rosário
A última edição da britânica The Economist, trazendo uma capa duramente crítica ao Brasil, produziu grande euforia nas hostes coxinhas. No post anterior, eu dei uma resposta preliminar, com base apenas na capa e nas chamadas, que já prenunciavam o teor da matéria.
Agora, que tive a pachorra de ler os nove textos, mais a abertura, posso fazer uma crítica mais consistente.
Em primeiro lugar, baixemos as armas. Eu gosto da Economist. Acho uma revista elegante e bem redigida. Quer dizer, eu gostava. Mas não foi a capa ofensiva ao Rio e ao Brasil que me fez mudar de ideia. Não sou de ligar muito para essas coisas, e na verdade não sou tão ufanista como me “acusam” alguns. Também tenho milhares de críticas ao governo federal e ao PT, com os quais, sempre é bom deixar claro, não tenho nenhum elo ou obrigação.
O que me fez mudar de ideia em relação à Economist foi o último artigo de capa, um libelo sem-vergonha em favor de intervenções armadas dos EUA. É notório que o principal público consumidor da revista hoje em dia está nos Estados Unidos. A matéria favorável à indústria bélica mostra que, infelizmente, os patrocinadores também estão lá.
Voltando à matéria sobre o Brasil, juro que li os textos com máxima boa vontade. A jornalista Helen Joyce, como quase todos na Economist, é ótima redatora e me pareceu uma profissional disciplinada. Deram-lhe uma missão, escrever uma série de textos com um viés de oposição, e ela a cumpriu com dignidade. Respeito isso.
Entretanto, temos que entender as razões. A Economist tem um evento agendado no Brasil para outubro, cujos patrocinadores são os seguintes:
Os dois primeiros são fundos de investimento que vem perdendo bilhões com a decisão de Dilma de reduzir os juros, e o terceiro é uma petroleira estrangeira com interesse no pré-sal e uma agenda política específica e urgente para 2014.
Os palestrantes brasileiros conhecidos são os seguintes. Não riam.
Faltou aí apenas o Alckmin e o Aécio Neves, para completar a cúpula do tucanato nacional.
Joaquim Barbosa, por incrível que pareça, dará uma palestra sobre… reforma política, assunto que ele domina tanto quanto o ex-presidente, Ayres Brito, sabia de física quântica e hábitos alimentares de passarinhos. Ou seja, nada. Preparem-se para as bombas!
Sem contar que não consigo conceber nada de pior em termos de mau gosto e insensibilidade democrática, mas sintomático do que está acontecendo no Brasil, do que chamar o presidente do judiciário para falar de um tema cujo debate está só começando no legislativo. Montesquieu se remói no túmulo.
A estratégia empresarial da Economist, portanto, está clara como os olhos de Eduardo Campos. Ela quer seduzir a direita endinheirada de São Paulo. E nada melhor, neste sentido, do que falar mal do Brasil.
*
Sobre a matéria em si, seguem algumas observações.
A reportagem abre com um tom ridiculamente professoral. Logo no subtítulo do primeiro texto, o leitor topa com o seguinte aviso:
“Tendo chegando tão perto de decolar, o Brasil travou. Helen Joyce explica o que deve ser feito para o país ganhar o espaço novamente”.
Com todo o respeito à competente Helen Joyce, se ela realmente tivesse as soluções para os problemas que assolam um país tão complexo como Brasil, ela não seria apenas uma repórter da Economist, mas uma consultora internacional que mereceria ganhar milhões de dólares por ano.
Ainda mais porque as “soluções” trazidas por Joyce não passam de clichês neoliberais, ou pior, ideias estapafúrdias e anti-povo de economistas tucanos. No texto que conclui a reportagem, Joyce confessa o viés partidário de toda a matéria:
“O país pode superar o alto e mal direcionado gasto público, através da limitação de qualquer aumento em no máximo metade da taxa de crescimento econômico, conforme economistas ligados ao oposicionista PSDB vem sugerindo.”
A ideia é socialmente criminosa e politicamente colonial. Além de idiota, claro. Se alguém sugerisse tal coisa na Inglaterra seria ridicularizado, inclusive pela Economist. Mas como é para o Brasil, e pode beneficiar os especuladores que patrocinam a Economist, então não é só válida, como apresentada como solução brilhante.
Os problemas listados pela matéria são reais. Há graves problemas de infra-estrutura. As obras demoram a terminar, e sempre ficam mais caras do que o acertado inicialmente. Os serviços públicos ainda deixam muito a desejar. Entretanto, eu fico imaginando como seria útil, a esta repórter, que ela entrasse numa máquina do tempo e voltasse ao Brasil de dez anos atrás. Desemprego altíssimo, dívida externa descontrolada, inflação alta, juros estratosféricos, crédito zero para pobres, situação de tragédia social em vasta regiões. E, sobretudo, uma criminosa falta de investimentos… em infra-estrutura.
A reportagem peca ao não fornecer ao leitor um balanço realista, com dados, sobre o universo de obras em andamento no país. O leitor certamente sairia menos pessimista se fosse informado de que entre as cem maiores obras de infra-estrutura em andamento no mundo, boa parte se encontra no Brasil.
Não podemos esquecer que as belas estradas inglesas, seu magnífico sistema ferroviário e seus portos e aeroportos modernos foram construídos com recursos e sangue oriundos da exploração colonial de países pobres, incluindo o Brasil.
O Brasil está se auto-construindo com dinheiro próprio e trabalho duro; sem explorar e humilhar nenhuma colônia, sem fazer guerras. É claro que é um processo mais lento e mais difícil. Mas quando encerrarmos este ciclo, teremos uma dignidade que poucas nações poderão exibir.
A parte em que fala de política me pareceu leviana e hipócrita, como se fosse um problema só do Brasil, ou como se ela tivesse se baseado em informações colhidas na imprensa partidária. Independente dos problemas do sistema político brasileiro, que são inúmeros, na comparação com outras democracias ocidentais, exibimos um dos melhores índices de alternância política e produção legislativa. Em lugar nenhum a democracia é um mar de rosas, nem os políticos, seja na Inglaterra, EUA, em qualquer lugar, são exemplos de idoneidade. Mas nos últimos anos testemunhamos no Brasil a criação de instâncias de controle administrativo e combate à corrupção, além das ferramentas e leis de transparência, que hoje são referência internacional.
Me parece que os “protestos” de junho, ao afetarem a popularidade do governo, acenderam as esperanças da revista de uma vitória da direita em 2014, e isso a fez estreitar laços com a oposição. A bem da verdade, a Economist vem se aproximando da oposição há tempos, sobretudo desde que o governo decidiu acelerar a queda dos juros básicos, medida que afetou severamente a rentabilidade dos fundos de investimento que patrocinam a publicação. As matérias pedindo a cabeça de Guido Mantega serviram apenas para desmascarar a ridícula arrogância da Economist, e sua defesa de rentistas globais que há séculos chupam o sangue dos brasileiros.
A matéria, vista como um todo, é um retalho de contradições, porque louva a ascensão da nova classe média e o baixo desemprego, mas critica a universalização do sistema previdenciário, sem fazer a conexão entre as duas coisas, além de omitir que se trata de um avanço que a Inglaterra e toda Europa conquistaram há muito tempo.
É lamentável constatar que a elegante e sóbria Economist tenta agradar os vira-latas medievais de Higienópolis às custas de vender soluções profundamente nocivas aos interesses populares e à nossa soberania política.
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